Algumas palavras sobre o tempo gasto com informação

Atualmente, diz-se que estamos na era da informação. As pessoas procuram sofregamente ler os jornais diários, revistas semanais e assistir a todos os telejornais possíveis. De outra forma, não se consideram “informadas”.

Será que tudo isso é mesmo necessário?

Para começar, vamos fazer uma distinção entre notícia, informação, conhecimento e sabedoria.

O que é uma notícia? É a ciência de um evento. Já informação é a ciência de um evento que nos interessa. Um conjunto de informações ordenadas por algum critério constitui um conhecimento. Por fim, sabedoria é o conhecimento permeado pela nossa experiência de vida, pela espiritualidade. É o nosso legado pessoal para o mundo.

Uma notícia só será informação para nós se estiver de alguma forma ligada à nossa vida, trouxer-nos algum benefício ou evitar-nos um prejuízo. Como dissemos acima, informação é a ciência de um evento (notícia) que nos interessa. Por exemplo, a notícia de um assassinato, se não somos parentes ou relacionados com a vítima, será informação apenas para os policiais da Delegacia de Homicídios e para o encarregado das estatísticas policiais. Para as demais pessoas, a ciência desse fato apenas contribuirá para aumentar a neurose da violência. Assim, não vejo sentido nenhum em assistir a noticiário do tipo Aqui – Agora. Prefiro essa expressão no contexto da Análise Transacional, em que significa a necessidade de viver concentrado no presente para que haja bem-estar…

É preciso ter em mente que as notícias veiculadas por um órgão de comunicação qualquer representam apenas uma amostra da totalidade dos acontecimentos. O que faz com que esta ou aquela notícia seja selecionada é o tipo de imagem da realidade que o órgão deseja transmitir. No meio televisivo, conta-se uma piada que, apesar do tom jocoso, reflete pura realidade: o noticiário mostra o mundo como o dono da emissora gostaria que ele fosse (ou como ele quer que se pareça), enquanto as novelas o mostram como o telespectador gostaria que fosse (fonte: artigo de Eugênio Bucci no Caderno 2 do Estadão).

Outro fato ao qual temos de estar atentos é que a câmera, ao mostrar uma imagem, deixa de mostrar todas as outras. Ou seja, a câmera descontextualiza o objeto de suas lentes, tornando muito fácil conduzir o espectador a pensar qualquer coisa que se queira sobre ele. Vocês já viram filmes de treinamento em que a câmera começa focalizando um objeto em close e depois vai lentamente se afastando, e, à medida que o contexto vai aparecendo muda completamente a idéia do espectador sobre o objeto? Logo, mais importante do que o que a câmera nos mostra é o que ela deixa de mostrar.

Alguém já disse que não existem fatos, apenas versões. Eu o julgo correto, porque nenhuma realidade reportada pode ser dissociada da vivência subjetiva de seu espectador. Costumo exemplificar esse fenômeno com um exercício: imaginem uma escultura irregular no centro de 10 cadeiras dispostas em círculo. Colocamos 10 pessoas sentadas ao redor da escultura e pedimos a cada uma que descreva e desenhe o que está vendo. Pegamos todas as descrições e desenhos e os submetemos à apreciação de uma pessoa que não estava presente, pedindo que nos dê sua opinião. Ela, com certeza, pensará tratar-se de diversos objetos, quando, na realidade, trata-se apenas de pontos de vista diferentes do mesmo objeto. São apenas perspectivas diferentes!

Outro experimento semelhante foi-me relatado ainda nos bancos da faculdade de Direito, lá nas Arcadas, pelo então professor de Direito Penal, Paulo José da Costa Júnior. Certa ocasião, ele explicava a seus alunos esse fenômeno das versões, advertindo-os de que depoimentos minuciosamente parecidos, idênticos demais, são depoimentos falsos. Enquanto ele dava sua aula, sem dizer palavra entrou uma mulher na sala, sentou-se à mesa do professor por alguns minutos, e, da mesma forma como entrou, saiu. Ele imediatamente interrompeu a aula e pediu aos alunos que a descrevessem, por escrito. Finda a experiência, a mulher voltou à classe e todos puderam confrontar suas descrições com a realidade. Mais ainda, perceberam a disparidade entre o que captaram da realidade e essa mesma realidade.

É assim mesmo que acontece na vida real. Tudo o que entra pelos sentidos tem de passar pelo crivo de tudo o que já havia previamente em nosso ser, constituindo a apreciação subjetiva. A única forma de nos aproximarmos da realidade é comparando diversas versões e extrair o conteúdo comum.

Bem, somando o que foi dito até aqui, ficou claro que sempre que buscamos notícias estamos sujeitos a algum tipo de manipulação, mesmo que involuntária. E a maneira mais fácil de não ser influenciado pela manipulação, seja voluntária ou não, é simplesmente ignorando a notícia. Dessa forma, o dinheiro gasto para nos manipular, se por um lado não vai construir nenhuma obra benemérita, por outro não atinge seu fim nefasto (ou seria funesto?).

Todo o cuidado é pouco com telejornais. Enquanto na imprensa escrita o leitor sempre tem a possibilidade de selecionar os conteúdos que absorve, passando adiante quando percebe falta de seriedade ou manipulação, e ainda lendo na velocidade que o seu raciocínio exige, nos telejornais isso não é possível: para chegar à notícia que lhe interessa, o espectador tem de se sujeitar a todas as que a antecedem, acompanhadas de imagens colocadas como absolutas, e em velocidade que impede qualquer raciocínio ou crítica. Ou seja, uma notícia totalmente relativa acaba virando verdade absoluta em nossa cabeça, sem que ao menos tenhamos consciência disso.

Não é à toa que as pessoas gastam boa parte do seu tempo livre comentando o aumento da criminalidade, epidemias de cólera (ou de dengue, ou de Ebola, ou de seja lá o que for) e o avanço da AIDS.

E, enquanto isso, aqueles que têm por obrigação legal zelar pelo nosso bem-estar vão metendo a mão em nosso bolso, tornando-nos cada vez mais pobres. E nós aqui, preocupados com um monte de coisas que não nos dizem respeito…

Portanto, reavaliem se não estão tempo demais na frente da televisão. Aproveitar esse tempo para conversar com os filhos ou com o cônjuge, ler um bom livro, ir a um teatro ou cinema é muito melhor pedida. E, provavelmente, não vai deixá-los neuróticos ou deprimidos.

Há ainda outro detalhe: não tendo a mente entulhada pelo excesso de dados (notícias), a percepção vai-se abrindo para outros aspectos, como os processos e o encadeamento dos fatos, e, aos poucos, vamos sendo capazes de perceber o que há por trás deles, tornando-nos mais imunes à manipulação. Desenvolvemos a capacidade de ler nas entrelinhas!

Dissemos que o conhecimento é o conjunto de informações ordenadas sobre determinado assunto. Hoje (1995), a cada vinte anos o conhecimento disponível ao ser humano dobra. Estima-se que no ano 2010 este ciclo será de apenas 4 anos. Ou seja, considerando-se o aspecto intelectual, pretender estar a par de tudo é tarefa sobre-humana. Nunca foi tão atual a frase de Salomão, “vivendo e aprendendo”, pois sempre temos algo a aprender, não importa qual seja nosso conhecimento e o quanto já vivemos.

A única possibilidade de abarcar todo o conhecimento é desenvolvendo nosso lado intuitivo, do sentir, através da meditação ou outras técnicas, com o qual podemos acessar tudo, a qualquer tempo. Em programação neurolinguística diz-se ser preciso desenvolver o hemisfério direito do cérebro.

Ponto fundamental, em minha opinião, é o desenvolvimento da imunidade à manipulação. Isto pode ser feito pelo caminho descrito no parágrafo anterior, mas também pelo hemisfério esquerdo do cérebro, que todos já utilizam. Para os que preferem esse terreno conhecido, sugiro o estudo da lógica, principalmente das falácias não formais (pois o sofisma é mais facilmente identificável; muitas vezes a premissa falsa é evidente), e o estudo da filosofia, que nos estimula a buscar a essência das coisas.

Felizmente, a tecnologia já está disponibilizando news on demand, ou seja, receberemos as notícias triadas de acordo com áreas de interesse previamente definidas!

São Paulo, em setembro de 1995.

Antonio Silvio Curiati